O sumo da manga escorria por entre seus dedos enquanto ela deliciava a fruta recém colhida no pé. Ainda estava pendurada em um dos galhos enquanto saboreava sua fruta predileta.
Todo dia cumpria seu ritual de subir, escolher, limpar a manga na barra do vestido e devorá-la calmamente, enquanto olhava o nada, embora na sua frente estava um lindo pomar com uma casinha amarela mais à frente, de onde ela saía correndo todas as manhãs para lavar o rosto num laguinho artificial que o pai havia feito para os patos nadarem.
Quando chegava o fim da tarde ela sentava em baixo da mangueira para ver o pôr-do-sol e o nascer da lua através do lago. Evento da natureza que parecia exercer um poder mágico sobre ela. Era incrível como se sentia calma, renovada. Chegava a desligar-se do mundo. Cansava de ter seus pensamentos interrompidos pelos gritos da mãe, dizendo: - Menina, entra que a janta tá na mesa!
Ficar ali absorvida em seus pensamentos lhe alimentava mais do que qualquer comida. Alimentava-lhe a alma. As sensações experimentadas por ela eram tão intensas que bastava fechar os olhos e parecia que tudo estava acontecendo de verdade. Era um misto de certezas, desejos e medos. Medo do real, do ainda desconhecido, mas que não deixava de fasciná-la.
Mas o que ninguém sabia era que a menina seguia um ritual sempre depois das 22h, quando os pais se recolhiam para dormir. Ela colocava três gotas do seu perfume de jasmim, vestia seu vestidinho de seda branca com aplicações de rosas cor-de-rosa de renda, calçava os chinelinhos de couro e saía pela janela do seu quarto. Seguia o caminho que mais gostava: andava até a mangueira e deitava-se debaixo dela, olhando as estrelas e a lua, ficando a esperar calmamente o dono dos seus pensamentos.
Ele sempre chegava pontualmente às 22:15h, sempre cheirando a loção pós-barba e um perfume que segundo ele era italiano, que comprou quando esteve em Milão, dizia que só usava em ocasiões especiais e estar todas as noites com ela, era sempre especial...
Certa noite, o pai da menina levantou para beber água. Como de costume, passou no quarto da filha para ver se ela realmente estava agasalhada, pois tinha o costume de se virar muito de um lado para o outro durante a noite e se descobrir sozinha.
Ao entrar no quarto o pai se deparou com uma surpresa. A filha não estava lá. Bateu um desespero, onde ele saiu voado que nem um gavião, com a lanterna e a espingarda na mão.
Não precisou ir tão longe. A menininha estava lá, deitada em baixo da mangueira com o seu amado, ambos nus, enrolados por uma coberta. A paz de ambos fora interrompida com a luz da lanterna.
- O que significa isso? Quer dizer que ao invés de dormir você foge pra ficar de sem-vergonhice com esse cabra? Berrava o pai da menina, pegando ela pelo braço a força.
- Esse cabra tem nome e é o homem que eu amo pai!
- Por favor, podemos conversar...Tentava dizer o rapaz, visivelmente nervoso com a situação.
- Conversar, conversar o que cabra safado! Você desvirginou a minha filha, a minha filhinha tão ingênua e pura.
A essa altura a esposa de Juvêncio já havia ouvido os berros e estava lá. Ela desconfiava que a filha dava umas escapulidas, mas achava que fosse apenas uma traquinagem de menina moça. Afinal, ela mesma na Juventude havia dado umas fugidinhas até o fundo da igreja para encontrar Juvêncio.
- Pai, eu não sou tão ingênua assim, eu sou uma moça que ama um homem.
- Você é uma safada, isso sim! Você me envergonhou, você desonrou a sua família sua...Juvêncio já estava levantando a mão para bater na filha, mas foi impedido por Margarida, sua esposa:
- Você tá louco homem? Para com isso!
Margarida não impediu a surra que Juvêncio deu na filha. Ele batia nela com tanta força que por um instante esqueceu que ela era uma menina frágil, franzina. O rapaz a essa altura já tinha corrido, com medo de levar um tiro de Juvêncio.
- Nunca mais quero olhar na sua cara ouviu bem? Você me desrespeitou nas minhas fuças. Como eu fui trouxa! Agora se quiser, vá viver as custas dele. Juvêncio saiu puxando a esposa pelo braço, que chorava desesperadamente e gritava: - Minha menina, não, por favor homem, não faça isso, ela é apenas uma garota!!!
Juvêncio não queria conversa. Estava irredutível na sua decisão. A menininha chorava copiosamente, caída no chão, pois não tinha forças para se levantar por conta da surra que havia levado. Pensava como o pai poderia ser tão radical daquele jeito.
Ao amanhecer, a menina se lavou e se vestiu, partindo em direção da cidade. Chegando lá, foi procurar o seu amado. Ao bater a porta, deu de cara com uma ruiva, de olhos verdes e sorriso meigo, com um bebê no colo. Ao perguntar do rapaz, foi surpreendida com a resposta: - Meu marido não está, teve que fazer uma viagem de negócios e vai ficar fora por 10 dias. Posso ajudá-la?
A menina ficou perplexa. Faltou o chão naquele momento. A dor que estava sentindo era pior do que a surra que tinha levado na noite anterior. Ela saiu andando e deixou a ruiva sem resposta. Ela andava rápido e chorava, sua cabeça estava zonza, não sabia o que fazer, para onde ir. Estava desnorteada. Pensava em como tinha sido ingênua, em ter se deixado levar pela lábia de um homem da cidade.
Andou pela estrada e só parou a noite, quando não suportava mais. Caiu no chão e foi acudida por um casal que viajava de caminhão por aqueles lados. Ao acordar, o casal deu água e comida para ela. Ao perguntar para onde ela ia, ela disse:
- Não sei, para bem longe daqui.
Sem entender nada e sem querer saber maiores detalhes, o casal ofereceu carona até a cidade que eles iriam, que ficava há 780 km daqui. Chegando lá, a menina agradeceu e deu adeus aquele casal tão gentil.
Foi seu último gesto de gratidão para alguém, aprendeu da pior maneira possível como é amargo o sabor de uma paixão, olhou o caminho de onde veio pela última vez e prometeu a si mesmo a recomeçar. Agora sem inocência, frutas tropicais ou perfumes italianos.
* Conto escrito por mim e minha amiga amada Aline *